quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Juízo e Carnaval

A verdadeira faceta do feriado do segundo dia do mês de novembro me foi apresentada no ano de 1999 em pleno cemitério, o dia dedicado a homenagear os mortos era o dia em que eu ajudava meu irmão no comércio de arranjos de flores, o caloroso sol no apogeu da primavera anunciava um dia de júbilo e sorrisos, todavia, o sorridente sol que brilhava sobre a Bela Cintra no dia dois de novembro não raiava com o mesmo fulgor no majestoso cemitério do bairro da Consolação, a lamúria esculpida nos olhos inanimados de gigantescas estátuas emanava um flutuante ar de agonia cercado por sacros muros e símbolos eclesiásticos, sob esse clima nefasto o contido pranto alheio me mostrava a profunda lamentação pela perda contemplada diante de esplendorosas lápides, mausoléus refugiavam recordações, alegrias, tristezas, tal avaliação evidenciou a verdade sobre a existência da felicidade, veja, a mirrada idosa que sorria para a foto de seu filho sobre seu jazigo provavelmente se deleitava na prazerosa lembrança da dor do parto que deu vida ao seu finado primogênito, na mesma tônica o trio de irmãos que deixou um par de chuteiras sobre o sepulcro do saudoso caçula homenageou o golaço do  falecido irmãozinho na final do campeonato inter escolas que lhes encheu de orgulho, viúvos e viúvas em risos e choros com olhares que projetavam momentos de regozijo, centenas de projeções que revelavam instantes de felicidade em meio a um dia funesto, tais olhares também despontavam angústias causadas pela impossibilidade de reviver momentos compartilhados com os amados finados, por assim ser, o lamento oriundo da perdida felicidade é a personificação da queixa irremediável, isso traduz o advento da morte e o impacto devastador ligado a ela, afinal a morte sentencia o fim de prazeres possíveis apenas sob o comando daquele que jaz, o fim de contentamentos possíveis apenas na presença daqueles que se foram, em contrapartida, a morte concede aos atormentados por ela a conformidade, pois essa é a única alternativa diante de seu encanto irrevogável e intransponível.

Terrível mesmo são as bobagens que regem o espírito inflexível, cruel mesmo é a irredutível convicção da aborrecível intelectualidade, é bárbaro pensar em prioridades e relevâncias em meio ao efêmero, pois então, é bom se manter lúcido nos instantes em que soam as trombetas de suave melodia, ser bem aventurado nos dias de fartura e bom vinho, no inverno se aquecer no forró, na primavera árabe colher flores e capturar borboletas, no outono se expurgar da contagiante e contaminada pureza, no verão se libertar da pseuda humanidade e em dias de calor e sede mergulhar no violento mar mesmo sem saber nadar.

É espantoso perceber que ainda exista fidelidade a solidão, a solidão é digna de respeito pois os mansos de coração não ousam traí-la, mansos mártires que se flagelam com insuficiente amor, de certo, tudo é insuficiente, a insuficiência da vida dá vida à morte, bem como a insuficiência do convite de mão estendida dá vida a um eloquente não, a justificativa atribuída à tais insuficiências são insuficientes e que portanto dão vida à dúvida,  com isso  é possível dizer  que a dúvida é soberana, promotora de escravidão.

Duvido muito que escravos rebeldes não afrontam a soberana coroa cintilante ornada por fulgentes pérolas douradas em forma de pontos de interrogação, eles a cultuam bem como se rebelam, aos obedientes resta apenas o açoite enquanto os rebeldes em plena primavera gritam:

- Independência ou morte! Porém, o grito por si só nunca é suficiente.



quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Risco


Não há arranha céu que resista a fortes ventos sem uma forte e consistente fundação, os pilares de sustentação devem estar preparados para as inesperadas e improváveis cargas de ventos que possam surgir, tenham como base a parábola do insensato homem que edificou sua casa sobre a areia, casa essa que desmoronou no dia da forte tempestade, ora, pouco vale um belo corpo moldado sobre um esqueleto “osteoporóseo”, afinal, muito em breve a formosa película externa sucumbirá juntamente com a frágil estrutura óssea, de tais princípios nasceram inúmeros provérbios referentes à importância de se ter uma boa “estrutura”, de se ter os pés bem firmados no chão para evitar quedas, por mais coerente que soe essa filosofia calcada na reflexão sobre a cautela, é notável também os efeitos restritivos inerentes a ela, onde a razão prevalece sobre a paixão, onde o racional vence o imaginário, onde o temor se torna soberano diante da ousadia, de tal modo, surge um impasse residente nessa dupla face de efeitos provenientes dos provérbios acima, uma vez que tais valores dão margem à importância da precaução e simultaneamente incitam a covardia, assim, unicamente pelo simples fato de existir a possibilidade de ser contaminado pelo medo e pela covardia, é saudável fechar os ouvidos para tais dizeres, pois não existe aventura sem ventura, não existe voo sem decolagem, a grandeza do risco corresponde ao sucesso da ceifa, ao partir desse ponto o equívoco abandona a posição de vilão e assume o cargo de consultor, desse ponto não existe retrocesso, existe sim a força da paixão, do fogo de saudade que leva a compreensão da importância da necessária e consoladora libertinagem que substitui os negados dias gentis, suba no palco e improvise o difícil jazz que poucos se atrevem, de lá será possível enxergar o tamanho da evolução dos tantos blues que derrubaram queixos, de lá virão lembranças de dias de imprudências durante a infância, daquele dia em que a inconsequente criança de bicicleta cruzava uma longa estrada para casa numa antiga trilha que hoje comporta a grandiosa rodovia rodoanel, uma estrada pedrosa rodeada por uma gigantesca mata e de gente que mata, aos dez anos de idade com pernas fortes que eram impulsionadas pelo medo da proibida aventura ali vivida no horário da aula de geografia da professora Cláudia, criança que oportunamente descobria a geofísica de uma admirável paisagem hoje extinta, certamente esse momento cinematográfico seria trilhado por “The Next Time Around”, recordações dessa natureza são dignas de trilhas sonoras, em suma, a vida de quem teme a mudança é fixada no chão assim como seus pés, indigna de belas lembranças a serem rodadas na mais poderosa placa de vídeo de alta resolução conhecida por imaginação, por outro lado toda bela imagem é digna de uma bela trilha que configure um bom filme para ser assistido juntinhos, sem caber de imaginar, quanto ao fim, o fim virá, raiará, para onde a sorte te levará?

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Outra dimensão!

O Vício é o majoritário detentor do voto minerva diante da escolha entre o sim e o não, ele supera a força dos instintos naturais, ele é o soberano oponente da precaução, se tratarem o conceito de vício sem peso pejorativo ele ainda assim terá poder escravizador, por tal razão os preceitos bíblicos recomendam a castidade antes do casamento a fim de preservar a harmonia conjugal obstante aos maus costumes da vida solteira, tenho enorme dificuldade em tocar “walking blues” no modo “open” por conta de maus hábitos e vícios equivocados adquiridos no meu aprendizado em tocar violão, corrigir maus hábitos é sempre penoso, reformular e reeducar valores culturais impregnados em um meio social demanda muito tempo, diante de uma bela e fugaz vida urgente não há mais tempo a perder, a solução então é a dissolução completa de todas as grandes estruturas e monumentos artificiais que existem no mundo, erradicar o sistema de trânsito em todo o globo terrestre, entender que os meios de transporte existentes são obsoletos e repensar em novas maneiras de locomoção, após tais ações revolucionárias onde a consciência coletiva governará, será o início do recomeço, uniremos os melhores sociólogos, arquitetos e pedreiros e redesenharemos um novo modelo de trânsito adequado e submisso a imponência do verde da natureza, teremos portanto uma grandiosa infraestrutura híbrida e fluente, os recursos naturais por sua vez serão consumidos de modo contrabalançado pois a justa distribuição possibilitará o garimpo e a colheita sem desperdício, tal equilíbrio refrescará o sol e aquecerá a lua promovendo assim o equilíbrio estável, por agora percebo a vergonha da noite, do sol, eles observam o mal incurável dos entulhos que interditam calçadas, entulhos recolhidos, mas sobe sol, desce lua e novos pedregulhos dificultam a transição da menina do portão, sinto a vergonha, que vergonha noite, que vergonha dos lixos poluentes e do feliz rock no rio, rio poluído em Pinheiros e também em Madureira, a solução então é fugir para baixo, para o submundo como um arco-íris na escuridão, nas profundezas longe das luzes da cidade, escondidos e envergonhados como os últimos da fila, fazer o caminho inverso e percorrer a sangrenta estrada sem volta ciente de que a emoção da penúria compensa a dor, onde a recompensa se dará durante as lembranças produtoras de prazer ao contar os contos reais, ao dizer com ufanismo acerca dos deleites, ao dizer com descontrolada emoção das dolorosas e perturbadoras emoções, e mesmo na velhice lembrar do cansado deus de mãos lentas dono da “key to the highway” de Bill Broonzy, lembrar das doces figurantes que hoje se preparam para a saga Baião do Mississipi, dos duelos ao lado de guerreiros profanos e eclesiásticos, dos cascudos em pivetes que herdarão o esmagador encargo, quanto a isso, é válido dizer que a emoção do ardor realmente vale a dor, portanto sei, e não é preciso que digam, “a chama ainda queima”.