sexta-feira, 21 de agosto de 2009

A vitrola escarlate de Armélie.



Eric Clapton dizia que para executar perfeitamente o que Robert Johnson fazia em suas músicas seriam necessários dois violonistas, pois a progressão de acordes de Mr Johnson soavam com efeito duplo, como se ele tivesse acompanhamento de outro músico, e acrescente a isso o fato de Mr Johnson cantar numa linha atemporal do que é tocado o que torna virtualmente impossível de imitar, um trabalho duro que levaria uma vida inteira, essas palavras de Clapton foram desdenhadas por muitos músicos consagrados, entretanto, quando eles foram tirar a prova disso constataram a veracidade na teoria do deus da guitarra e comprovaram que o trabalho duro jamais irá superar a genialidade, a dedicação eleva o talento, mas não se sobrepõe ao dom, existiram e existem mitos do jazz e do blues que foram precursores e portanto insuperáveis, tanto homens quanto mulheres deixaram seus nomes eternizados na música de modo incontestável.

A citada genialidade musical diverge à idéia preconceituosa de um determinado professor de música que suprimiu o desejo musical de um grupo de meninas, ele alegava que o ser feminino não dispunha das mesmas aptidões e facilidade de aprendizado que o homem, ele dizia que para mulher desenvolver bem as habilidades em algum instrumento musical seria necessário dedicar-se arduamente, pois as mulheres não nasceram para tocar, não dispõem de talento nato para tornarem-se boas instrumentistas, esse conceito imposto por esse professor entristeceu Armélie em sua fase infantil, Armélie era uma criança que adorava tocar violino, mas desistiu do sonho de se tornar uma grande violinista em razão da supressão que seu professor lhe causou. Dez anos depois, mesmo desistindo de seu instrumento, Armélie não abandonou a música, frequentava pubs de jazz, garimpava sobre a música brasileira e era intimamente ligada à ela.

Armélie estava sentada distraída ouvindo seu Ipod num banco de esquina situado na região central de sua cidade esperando um táxi, nesse intervalo de tempo Raimundo um guitarrista de jazz aproximou-se dela e perguntou onde ela morava, como eles moravam na mesma região ele propôs à ela que dividissem o valor da corrida do táxi, Armélie não sentiu-se acuada com a abordagem do nobre homem e aceitou a proposta, sentiu-se atraída pela abordagem envolvente do gracioso rapaz, no táxi a sintonia e a convergência entre Raimundo e Armélie inspirou a bela moça a convidar Raimundo para jantar em sua casa, Raimundo não hesitou e aceitou o amigável convite, quando Raimundo entrou na casa de Armélie ele admirou-se com a decoração da casa, era enfeitada por vinis distribuídos pelas paredes e tetos, com recortes de jornais referentes a música e composta por plantas ornamentais, Raimundo sentiu-se acolhido por aquele lar, enquanto ele vasculhava a coleção de vinis de Armélie, ela preparava o jantar, Raimundo encontrou nessa discografia raridades do jazz, desde Billie Hollyday a Armstorng, de Chet Baker a Miles Davis, quando ele dirigiu-se à cozinha para saudar e parabenizar a linda moça por seus valores musicais, ela posicionou a agulha de sua vitrola na canção número cinco do primeiro álbum de "Clarence Gatemouth Brown", Gatemouth foi o único grande violinista de Blues, ele imperava com seu violino no ombro, aquela trilha sonora devorou todo ambiente, a muito tempo Raimundo não cultivava esse jazz-blues-fusion, os acordes dos naipes de metais e a linha melódica do violino de Gatemouth climatizaram aquele lugar e arremessaram Armélie nos braços de Raimundo, eles eram levados pelo rabecão percussivo e cadenciados pela rabeca de Mr Gate, eles seguiram a condução rítmica dançando institivamente e de modo lascivo, entregaram-se a volúpia paixão promovida pelo poderoso Jazz, cessaram apenas quando deram-se conta de que as panelas estavam em chamas, o jantar estava queimado por conta dessa agradável distração, eles foram obrigados a apelarem ao disk pizza, foi uma noite essencialmente calcada no jazz e alimentada pela grande harmonia entre Armélie e Raimundo, a vitrola de Armélie nunca havia testemunhado um clima tão impetuoso, passou a noite executando valiosos discos que orquestravam esse clamor aos céus, nessa bela interação Armélie disse a Raimundo da sua frustração por não ter seguido com o violino, falou de sua desistência promovida pelas duras palavras de seu antigo professor, na semana seguinte Raimundo teria uma apresentação no mais famoso pub de jazz da região oeste, convidou Armélie para fazer um dueto de "Song for Renee" de Gatemouth na noite de seu show, Armélie pensou em recusar o convite, mas aceitou para não prevalecerem as palavras de seu antigo professor, mesmo a muitos anos sem sequer tocar em seu violino ela aceitou o desafio confiantemente, ela estava nos braços de Raimundo e isso lhe deu segurança para aceitar esse encargo que estava por vir.

Armélie, passou a semana que antecedeu o show praticando e ensaiando "Song for Renee", desenvolveu muito bem, todavia estava temerosa pois nunca havia tocado para um público tão expressivo, no dia do show ela pensou em desistir, mas a presença de Raimundo transmitiu segurança à bela moça, quando finalmente ela subiu no palco, de modo genial ela ofuscou o experiente Raimundo com seus perfeitos solos, mostrou seu oculto talento que outrora fora suprimido por palavras vãs, exibiu a essência e genialidade musical que sempre esteve consigo, demonstrou grande habilidade para homem nenhum botar defeito, no final da noite em plena efusão com Mr Raimundo, Armélie prometeu a ele que iria retomar a prática de instrumentista, abençoar os ouvintes do jazz e contribuir para a difusão desse grandioso som.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Eu não tenho tempo.

No sétimo dia o senhor descansou, um cansaço curioso, a conotação desse cansaço cria uma incógnita, visto que o onipotente Jeová está a cima da limitação fisiológica humana, disse ontem a meu pai que estava cansado, vi em seu olhar um enorme ponto de interrogação, "esse moleque está cansado de quê?" "Não o vejo fazendo esforços físicos", talvez o cansaço de Deus seja igual ao meu, um cansaço de sobrecarga espiritual, por isso, tirei o dia de ontem para descansar e a bendita chuva contribuiu com o meu ócio, acordei de manhã não olhei no relógio mas vi que ainda era antes do meio dia pelo clima matinal, selecionei a discografia completa de Ronnie James Dio para me envenenar no tenebroso heavy metal, objetivava um descanso sem paz, queria ser atormentado pelo subliminar, parar o corpo e acelerar a mente, completada a sessão de DIO fui condicionar as artérias com B.B.King, a sua Lucile me levou ao sono profundo, pela primeira vez me vi sonâmbulo pelo corredor da minha sala, estava buscando algo que a muito não tinha, essa minha busca novamente me feriu nessa mesma sala, andando procurando pelo inacessível escorreguei no chão húmido em virtude das reformas que meu castelo passa e acordei desorientado, felizmente dessa vez não estava com um copo de vidro na mão, levantei pensei em tomar um banho mas voltei pra cama para retomar minha sessão de absorção do Mistério, dessa vez coloquei Malte & Vinil, tentei esquecer da essência desse som que foi criado por nós e ver algo que não vi no processo de criação, incrivelmente vi, vi o poder desse som, e sei qual foi e qual é a fonte dele, essa fonte valiosa não tem valor pois ela mesmo não se valoriza pelos valores que a cercam, por isso valorizei os valores paralelos que se valorizam, nesse ritmo caí no sono novamente, como o repertório era curto despertei pelo silêncio e fui alimentar meu corpo com caldo de mocotó para vigorar o físico pois a mente estava inflada e explodindo de tanto alimento, nesse ritmo fui até altas horas, as 23 horas decidi ir para o mundo real confraternizar com umas putas que me cortejavam ferozmente, decidi atender a esses clamores e exercitar a gana da Correagem, pus meu tênis novo e ao sair de casa me deparei com uma fina chuva e ciente de que o indomável Luiz Gonzaga Correia meu pai não iria liberar o carro para tal intento e para evitar a fadiga voltei pra minha cama para cultivar esse dia de folga, o meu erro foi colocar Led Zeppelin, pois ao tragar a tradução do sintetizador de John Paul Jones surgiu-me o desejo de ir a um boteco qualquer confraternizar com algum panguão ou com alguma cachaceira independentemente do nível, esse súbito interesse prevaleceu e mesmo tendo a opção do guarda chuva optei por contemplar o choro do céu sem proteção, apenas trajei meu famoso sobretudo verde e fui sem destino com o destino de parar no primeiro boteco que me inspirasse, antes de prosseguir rumo à seleção de botecos, passei numa boca de tráfico perto de casa para pegar uma lata de Skol pois os mesmos são incapazes de vender Brahma e vi o tamanho do temor que o tamanho da minha barba causa naquele bando de nóias, eles não tinham troco para notas de cem e não queriam me vender, mas a fixação do meu semblante negro os persuadiu de modo temeroso, portanto eles cederam, parti e logo na seguinte esquina entrei num bar, os presentes no bar eram uma moça de estilo rapper e um nordestino pernambucano, quando entrei no estabelecimento fui recepcionado amigavelmente pelo dono do bar, dei a ele o cd "Riding With The King" e ele gentilmente interrompeu a black music que o presente casal ouvia e pôs a faixa número cinco conforme eu havia pedido, sentei na mesa de bilhar com minha garrafa de cerveja na mão pensando em como iria introduzir o diálogo com os "colegas de bar", quando dei o primeiro gole o rapaz pernambucano perguntou-me que tipo de música era aquela que eu estava ouvindo, antes que eu respondesse a mocinha que estava com ele disse que me conhecia e que estava espantada com a mudança que sofri da infância para a fase adulta, as palavras dessa moça levaram-me à reflexão da evolução humana, das mudanças pelas quais passamos com o tempo, dos aprendizados que adquirimos e do tempo que perdemos com sentimentos banais, ela lembrou-me da época em que me dava pedradas pelas pirraças de criança que fazíamos e da emoção que sente em entender as fases que o ser humano passa, isso me levou ao entendimento de que nos próximos anos irei me envergonhar das minhas atuais limitações em virtude do progresso para o qual estou caminhando, essa é a tendência da humanidade, pelo menos para os que não se limitam e não se contentam com aquilo que é imposto pelo MEIO, pelo menos para aqueles que não tem rabo preso à nada, que fazem e vivem conforme o desejo próprio, não tem sua identidade dependente à identidade alheia, são essencialmente talentosos desvinculados a interesses materiais, essa positiva concepção de vida é para os que vivem em abundância por não se esconderem atrás de pequenas fortalezas, no futuro irei bordar um retrato de tudo aquilo que não sei dizer, mas enquanto isso irei correr atrás da consolidação do presente pois o meu grande clichê é: A vida está passando e eu estou sem tempo.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

River of tears


Esperando nesse lugar, onde a luz do sol nunca brilha, te esperando aqui onde as sombras fogem de si, esse sorriso trakina foi a razão de eu esperar por tanto tempo, eu perdi o caminho de casa, você não consegue lembrar do meu nome, ninguém tem as chaves da libertação, vamos voltar para casa, não sei se aponto para o norte ou para o sul, algum dia você estranha e tardiamente irá se lembrar, o Espírito disse às nossas almas que certos lugares são inacessíveis, minha cética e teimosa alma negou-se a crer, sua crédula e alma boba acreditou e se distanciou, o Espírito ordenou ao Tormento que se oposse em meu caminho, estávamos em frequentes combates, o Espírito lhe concedeu falso conforto através dos pobres de alma, aqueles lugares proibidos traziam consigo mistérios e segredos milenares, esses segredos ocultos conquistados após a derrota do Tormento deram-me a receita e ensinaram-me a matar o Espírito que doma o seu manso coração, eu o matei, agora estou num novo cenário sombrio onde o antagonista é o poderoso sucessor do Espírito, "o Distância", o Distância é um astuto demônio que derrotou diversos guerreiros mitológicos, ele venceu Poseidon manipulando a Deusa ateniense, agora ele quer vencer-me para vingar a morte do seu mestre Espírito, mas a minha força oculta e minha arma mais poderosa está aí contigo, você está numa outra estação, contemplando o céu os céus e o inferno e eu aqui do outro lado curando-me das chagas que adquiri no duro combate com o Distância, estou escondido para que as feridas que adquiri nesse combate se cicatrizem, e para quem esperava um final feliz, caiam em pranto, pois o Distância me encontrou, me rendi e um golpe mortal foi desferido, o Distância fardava uma armadura forjada de prata e carvão, em sua cabeça um elmo dourado, era um cavalheiro de baixa estatura e pele alva, enquanto eu agonizava esperando a morte chegar, esse guerreiro retirou seu elmo balançando seus lisos cabelos revelando ser uma bela mulher:

- Lhe darei o golpe de misericórdia, eu mulher sou seu ponto fraco, receba o "cólera da libertação".

Desferiu com sua espada enferrujada um profundo golpe no meu pulmão, o sangue não jorrou para fora, afogou os meus órgãos internos enquanto a doce Distância chorava um rio de lágrimas por minha dolorosa e lenta morte.

domingo, 16 de agosto de 2009

Seres divinos não pecam


Transgredir um preceito religioso dá ao transgressor um fardo chamado pecado, na conotação bíblica de fundo etimológico em seu idioma original pecar significa errar o alvo.

Crer naquilo que não se pode ver caracteriza a fé, fé é a adesão absoluta à um crença espiritual é a crença incontestável ao sobrenatural, certa metáfora bíblica classifica como bem-aventurado aqueles que acreditam em algo sem comprovação evidente, isso é a fé, algo que transpassa o empirismo humano, o injustificável, desprendido de análises científicas.

Episódios recentes alienaram-me, ensinaram-me a crer no sobre natural de modo absoluto, logo eu que sempre respeitei a essência implícita daquilo que não foi revelado, eu que não faço julgamento daquilo que foge da natureza humana, livre de intuições e apegos religiosos, o primeiro episódio que evidenciou a existência de fatos que estão fora das leis naturais foi a explosão das pupilas do Mr Tuco ao ver de sua bateria Jimmy Page revelado na Les Paul de Nivas Guerra, Tuco em seu banquinho diante de seus pratos testemunhou a aparição de um ser inexistente no plano terrestre que era concebido pela presente guitarra, os bends representavam os gritos da feliz dor do parto, eu estava lá naquele estúdio sombrio situado nos confins da margem do Cocitos e vi o nascimento do filho de Maria Raimunda, aquela criança que saiu da vibração contundente das seis cordas umbilicais impulsionou a gana eufórica de Mr Tuco, enquanto o Nivas tocava sua Maria Raimunda com acordes e trinados insinuantes, Tuco George cadenciava de modo agressivo a regência percussiva, provocando com seu bumbo plástico a sensação de frenesi absoluto no poderoso rock zeppeliano, no fim de tudo isso a calmaria baixou no compacto ambiente e comprovou a existência de fatos sobre naturais.

Outro fato sobre natural foi a mística magia noturna presente em uma mulher que é perseguida pelos invejosos inquisidores que a condenam por sustentar a suposta heresia de ser um ser dos anjos, os inquisidores em reunião no concílio objetivavam caçar essa bela bruxa, discutiam sobre os atos dessa mulher que emana divindade, apenas 2% dos presentes nessa assembléia absolveram a doce bruxa, portanto, ela foi convocada para julgamento a fim de prestar conta de seus dizeres hereges, caso ela fosse condenada teria a severa sentença de ser queimada em praça pública diante de seus seguidores e admiradores, os amantes da eminente beleza angelical iriam chorar essa perda irreparável.

No dia do julgamento, Ela compareceu no tribunal exibindo a plenitude de sua divindade, a promotora que iria conduzir as acusações à gloriosa moça estava excessivamente ansiosa e tomada por um sentimento de fúria, queria provar a todos a falsidade nos dizeres da famosa bruxa, ela iniciou as acusações tomada por um forte ódio:

- Com que autoridade e em nome de quem você proclama por todos os cantos sua suposta divindade?

A promotora iniciou o processo de acusação de modo sutil, pretendia deixar pro final os argumentos agressivos, entretanto, a autenticidade dos poderes da bruxa dos anjos calou a perseguição de todos os inquisidores presentes:

- Eu venho em meu nome, tenho a autoridade dos anjos, vocês creem na verdade e de modo silencioso desconhecem a essência do que viria ser a mentira, vocês creem na cronologia e no calendário ocidental, mas jamais se perguntaram o que é o tempo, vocês dizem que toda ação gera reação, mas não sabem o que é causa ou efeito, vocês constituem famílias, alimentam sentimentos passionais, mas jamais perguntaram o que é o amor, você nobre mulher, que me questiona e me condena pelas maravilhas dos meus dizeres não consegue ver a trave que está cravada em seu busto, você religiosa me persegue pelo bem que faço ao meu próximo e não vê o mal que te rodeia, assenta-se à roda dos escarnecedores submetendo-se a agressões físicas, vocês todos presentes nesse tribunal alimentam a hipocrisia de canalizarem suas fragilidades para seres fortes, vocês transferem a terceiros a responsabilidade de errarem o alvo, portanto minha gente eu voz digo, dentro da lei de vocês eu já estou absolvida dessa maldita sentença, pois olhem bem pra mim, vejam a beleza manifesta nessa carne que estou encarnada e saibam que os seres divinos não pecam, portanto retiro-me desse tribunal terrestre e irei de encontro aos meus.

Ela levantou-se calmamente, todos presentes ouviam calados, dissolveram-se com as palavras da doce moça, o seu poder divino paralisou os presentes, presentes esses que apenas assistiram ela saindo daquele ambiente acompanhada de si mesmo e de sua inerente glória, após sua saída todos os que presenciaram tal episódio retornaram a si maravilhados com tamanha preeminência, nesse dia vi a ação divina de um ser, não posso mais ser chamado de cético, pois vi o sobrenatural.