terça-feira, 5 de março de 2013

Quarta-Feira



 Irremediavelmente todo fevereiro tem seu fim, é o fim da folia, é também o fim da ilusão.

 Já em março, tomado pela doentia percepção do real, aquela textura metafísica do todo é diluída pelo ruído do despertador, é o fim da batucada, é hora de pendurar os adereços, mostrar a cara, dar a cara pra bater, nesse confronto com a realidade briosas alegorias são substituídas por perigosos andaimes, o harmônico repicar dos tamborins dão lugar ao perturbador estalar dos teclados, a efusão e o altruísmo coletivo cantado em blocos são esquecidos em assembléias onde vizinhos se atacam discutindo razões egoístas.

 Em um mês de escárnio, de idolatria ao ócio, regido pela boemia, pela pesada maratona carnavalesca, muitas lições são apreendidas, lições essas que só podem ser percebidas em cenário fantasiado, sob enredo fantasioso, uma vez que, a atmosfera de fevereiro contamina pulmões sedentos, seus ares são respirados por pulmões enrustidos que por sua vez se libertam e distribuem ao organismo substâncias que elevam as percepções sensoriais, os sentidos são aguçados em um nível tão alto, que eles captam apenas sensações que conduzem ao prazer, o mês de fevereiro portanto, permite ao vivente sentir o verdadeiro deleite do corpo humano, suas funções motoras e toda complexidade que nele há, não foram projetadas apenas para funções rudimentares de necessidades diárias pregadas pela convenção social, o verdadeiro potencial intelectual do corpo humano só é acionado em meio ao carnaval, contudo, ao fim da estação do primeiro bimestre, a forte abstinência recai sobre os sobreviventes, uma sufocante abstinência que é curada gradativamente pelas boas lembranças vividas no emblemático fevereiro.

 Enfim, nas cinzas é possível perceber, perceber o valor do enredo, dos enredos que confeccionam o ambiente, que trilham e cadenciam a dança daquela morena em seus braços, que remexe, que balança até o sol raiar, raiar do sol que ilumina as cores do olhar, olhar ingênuo de brilho fixo e sagaz, que revela todo o mal que o fim do Fevereiro traz.