terça-feira, 20 de maio de 2014

Gumbo


 Desvendar os caminhos, ferramentas e os meios necessários pra incentivar o uso de produtos daria aos fornecedores de tais produtos a solução para os problemas de comercialização.

 Desvendar os meios necessários pra incentivar o consumo de uma idéia daria ao difusor do plano a força necessária para garantir não somente o uso de produtos, garantiria também o poder de fidelização, permitiria ao autor da idéia ações de grande apelo público.

 Valeria pois então explorar os segredos contidos nos subterrâneos do Vaticano, valeria considerar as técnicas empregadas pelos grandes meios de comunicação que têm consigo a chave da morte e do inferno, que trazem pra si conforme seus interesses adeptos que seguirão religiosamente o que é proposto. 

 Nasce então a dúvida sobre o real valor embutido nos produtos, da autenticidade de um pensamento, dos agentes que produzem sentimentos, surge a incerteza da existência da espontaneidade, se de fato existe instinto, se existe essência ou se tudo isso foi extinto e tragado por uma grande idéia.

 A verdade é que nessa máquina existe primeiro mundo e também existe fome, a distribuição feita pelo detentor e difusor da grande idéia é desigual, Ele plantou o famoso e mentiroso clichê, "quem pode pode que não pode se sacode", assim, a desigualdade soa natural e com isso consumiremos o que Ele puser na prateleira, e não adianta reclamar, dizer que os produtos estão estragados, você não tem opção, mas Ele dirá pra você escolher melhor, e que é culpa sua se você comprou um produto estragado, pois bem lá no fundo da prateleira havia um produto razoável que evitaria essa enorme dor de barriga. 

 Assim, na prateleira próximo ao litoral sudeste temos Valesca popozuda, os insatisfeitos com essa opção reclamam a um dos gerentes e partem pra violência, agridem e amarram com justiça os pobres consumidores que roubam de seus bolsos o valioso Catra, na prateleira mais a baixo ainda no sudeste temos maconha, guerreiros do rap que duelam em batalhas pra ver quem consome mais, quem ostenta mais, quem fraseia melhor a filosofia de uma realidade vazia.

 Diferente da tendência, na prateleira do nordeste Jackson do Pandeiro disse que só botará bee bop no samba quando o Tio Sam tocar o tamborim, ele ignorou a grande idéia e misturou Miami com Copacabana, ignorou a presente prateleira e garimpou fora dela produtos naturais, produtos que não foram forjados pela pseuda intelectualidade manipulada pela grande idéia, algo essencial, sem referência, puro, livre de contaminação.

 Contudo, Jackson não escapou da mistura, foi contaminado por januário o kengo mais fino do nordeste, se apaixonou pela embriagada boca de Billie holiday, aprendeu a dançar com Juke do miserável viciado Walter Jacobs,  batucou o som dos morros cariocas quando eles ainda eram limpos e ganhou a alcunha de Pandeiro, não resistiu e eletrificou o triângulo, o som outrora acústico amplificou-se, todos esses ingredientes engrossaram o caldo da sopa, cheia de especiarias, contudo, todas livres de produtos tóxicos.

 Tomem dessa sopa, cheia de nutrientes e de caldo consistente, ela não causa dor de barriga, pois dessa sopa não se encontra na grande prateleira.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

27


Minha sobrinha completou sete anos e eu a parabenizei como se ela tivesse quinze, ela ficou extremamente feliz quando a fiz acreditar que eu estava comemorando seu décimo quinto ano de vida, chegar aos quinze anos de idade é a grande ambição de toda criança do ensino fundamental, seria como conquistar o respeito de todos, sob a sensação de liberdade e autonomia nas escolhas e decisões, adolescentes de quinze anos são observados pelas crianças mais novas como objeto de admiração, naquilo que elas pretendem se tornar.

Adolescentes de quinze anos vivem a intensa fase de transição da fase infantil para a fase adolescente onde se desenvolve a consciência do futuro e da vida adulta, surge assim os grandes anseios e planos para a vida futura, o adolescente é preso na ilusória mágica que os faz acreditar que são tão capazes quanto os adultos, passam então a projetar a carreira profissional, a vislumbrarem um futuro promissor associado às aptidões e vontades, essa empolgação que dá força ao sonho adolescente é própria da idade e muitas vezes os levam ao sucesso precoce.


Alguns anos adiante vem a decepção, o ex-adolescente se dá conta de que é impossível ser bem sucedido com 20 anos de idade, percebe com mais clareza as pedras no caminho, percebe o quão tenebroso é o sistema e a concorrência, esses benditos pés no chão do ex-adolescente o faz regredir alguns passos para em seguida retomá-los calcados na coerência, tal percepção sob o efeito da razão somado com a ressuscitada empolgação adolescente produz uma luz que o guiará pra anseios mais sólidos, à iminente realização, essa realização todavia não se trata do tão perseguido sucesso, mais sim do encontro com uma perspectiva palpável, o que permitirá ao adulto calouro galgar posições e conseguir ferramentas para realizações maiores.

Se estivermos falando de sucesso ou fracasso, um homem ainda que tenha muitas conquistas só terá a ilusão de estar bem sucedido a partir dos trinta anos, uma ilusão parecida com a do adolescente, ele consegue se enxergar realizado de alguma maneira, no entanto, ele perceberá que o divisor de águas que garantiu boas condições pra vida que seguirá surgiu entre 26 e 28 anos, período esse que costumo chamar de período da criatividade, onde se viveram grandes amores, grandes perigos, as grandes fraudes, as verdades verdadeiras.

Imagino que essa explosão de criatividade e improviso nesse período da vida seja porque o homem ou mulher de 26/28 anos são tão adolescentes quanto adultos, não é nem adolescente e nem adulto é exatamente os dois, essa vantagem o adulto e nem tampouco o adolescente têm, é um privilégio exclusivo do ser de 26/28 anos, do ser de 27 anos, 27 anos é o auge da forma do homem criativo, não estou falando de eficiência, qualidade, nada disso, me refiro à criação, à criatividade.

Robert Johnson, Janis e Hendrix que o digam. Morreram no auge. O mundo não resistiu à tamanha criatividade.  Tomem cuidado meus caros contemporâneos.


terça-feira, 6 de maio de 2014

Crossover



O caminho da direita leva à metrópole o caminho da esquerda leva ao campo e o caminho adiante leva ao litoral.

Na metrópole depararemos com falantes da língua anciã, encontraremos falantes de dialetos tribais, até mesmo a língua dos anjos é falada na metrópole, na metrópole há gatunos, maníacos, há também obreiros e doutores. A eletricidade dessa cidade é composta por barracos amontoados, o lixo do esgoto corre por entre os quintais, crianças descalças com a bola no pé e o nariz escorrendo, senhores alinhados em ternos com destino a arranha-céus, haja arranha-céus! Na metrópole presenciamos a beleza das grandes edificações, vemos a primazia da engenharia humana, os olhos se enchem com a plástica dos monumentos, há quem tenha vontade de gritar em meio a tantos carros, olhos cegos por banners luminosos e pela ganância, é tudo muito lindo, o artificial brilho metálico em duelo com o céu cinzento,  o perfume de jasmim exalado pelas mulheres da vida noturna, na metrópole testemunhamos o contraste entre a organizada civilização do crime e a desorganizada honestidade civil, os arquivos que contam a história da humanidade e dos animais encontram-se nos cofres dessa grande metrópole, nessa metrópole está o conhecimento, aqui está o aborrecimento.

No campo presenciamos a beleza do horizonte, somos tragados pela aterrorizante imensidão do firmamento, o leite é grosso, a água é fresca e o tempero é forte, o verde lidera o colorido da natureza, sobretudo na primavera, o silencio que traz a paz é facilmente encontrado, a pouca intervenção do homem na forma do campo permite o contato real com a herança deixada pelos ancestrais, a sabedoria deixada  pelos antepassados só pode ser adquirida no campo, pois a cena do crime foi minimamente alterada pelo homem, foi sim fortemente alterada pela força da natureza, vale dizer que em muitos casos a natureza também tem culpa, basta ver lavouras destruídas pela chuva que vem sem avisar, casebres que não resistem a fúria do vento, a exemplo da metrópole o campo também traz aborrecimentos.

No litoral é possível ver o mar, o oceano, além do oceano está a outra parte do mundo, estão novas metrópoles, novas regiões rurais, novas praias, a única maneira de ter acesso a esse todo, ao conhecimento de novos povos é passando pelo oceano, para chegar ao oceano é necessário chegar no litoral, é possível dizer então que as técnicas de cultivo do campo, a pecuária, agricultura, que as línguas existentes na metrópole, o metal presente na inteligência artificial desenvolvida nela, de alguma maneira passaram pelo litoral, a origem do novo conhecimento teve seu inicio na praia, as grandes invasões, tratados, batalhas deixaram vestígios na areia e foram levados pelo mar, em outras palavras, olhar pro mar é olhar pra própria história é também olhar pro futuro, pois o novo mundo está além dele, de certo modo o litoral tem em si aborrecimentos tanto da metrópole quanto do campo.

A violência, a velocidade, o aquecimento e a dinâmica tecnologia encontrada na metrópole darão ao cidadão metropolitano a necessária insensibilidade para que ele tenha olhos atentos e pés ligeiros diante do mal, para que ele tenha frieza quando as coisas esquentarem, menos emoção e mais razão.

O ar puro e as cores encontradas no campo darão ao cidadão campestre sabedoria para que ele seja sagaz quando o tédio bater à porta, a unidade da natureza conduzirá ele a paixão, assim como ocorreu no jardim do Éden, a paixão prevaleceu e as coisas ficaram mais interessantes, mais emoção e menos razão.

Já o mar será a válvula de escape, se ainda assim as coisas estiverem sem graça, cruze o oceano e encontre novas metrópoles, novos vilarejos, acredite, do outro lado também haverá muita tensão, muita paixão, muita razão, muita emoção, muitos aborrecimentos.