quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011
Matéria prima.
Ferro e carvão flamejante são elementos essenciais para forjar a lâmina da espada, o barro argiloso manipulado pelo oleiro se transforma em valiosas esculturas, o papel no qual agora escrevo antes fora um altivo pinheiro, o antílope que outrora saltitara hoje aquece o pescoço da nobre madame.
Sem ferro não haveria espada, sem barro não existiria tijolo, sem o couro do veado o inverno europeu não seria aquecido. Não existe manufatura, sindicato, mão de obra qualificada, artesão ou artista, sem a matéria prima, não existe produto final sem a matéria primordial, considerem a fabricação da cerveja, onde são utilizados inúmeros ingredientes primários como a água, o lúpulo, a cevada, dentre outros, o mestre cervejeiro reúne esses ingredientes em sua forma tosca, os lapida e assim produz a cerveja.
Em qualquer profissão o profissional da respectiva área mesmo que inconscientemente reflete sobre a matéria bruta que move o negócio de sua profissão, na maioria das profissões o foco dessa reflexão baseia-se no lucro financeiro que o investimento em cima dessa matéria prima pode trazer ao investidor, essa avaliação mesmo que feita de maneiras diferentes tem o mesmo fim, quer seja feita pelo padeiro, ferreiro, agricultor, banqueiro, químico ou açougueiro.
No caso de escritores, músicos e artistas de natureza poética a reflexão sobre a matéria prima que move suas profissões é demasiadamente complexa, pois a matéria prima essencial para a construção do produto desses profissionais da arte é nada menos que a humanidade, é a fauna, é a flora, o escritor depende de relações humanas afetivas para desenvolver o cenário visual vendido em sua obra escrita, o escultor inspira-se nas pernas torneadas de Maria do Socorro para moldar sua Mona Lisa em areia, o poeta respira o ar urbano enquanto escreve à sua querida loira de natureza bucólica, o músico quando esculpe os acordes de sua canção relembra da fria chuva que o molhou após o não, inspira-se no corajoso sim pronunciado pelos desejáveis lábios da protagonista mencionada em suas linhas melódicas.
A capacidade sensorial do profissional da arte funciona como um sexto sentido, o artista capta a dor sentida e a expurga em seu produto, os bons artistas que dispõem desse sexto sentido são incapazes de fitarem com lindos olhos carentes, eles enxergam além do que é proclamado e ostentado com falso orgulho, eles materializam o desejo em suas obras, por isso são transparentes e paradoxalmente indecifráveis.
A grandeza da matéria prima que cria o produto final dos profissionais da arte lhes permite viverem do comércio barato, lhes permite viverem em turnês milionárias, a matéria prima do escritor, do músico, de artistas de natureza poética é nada menos que a vida, é a vida assistida, é a vida corrida, a vida sofrida, é a vida vivida, essa valiosa matéria dá aos artistas poderosos olhos, olhos poderosos, olhos que olham com desejo.
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