quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Babilônia.

O elogio massageia o ego, principalmente dos que não estão familiarizados com ele, o ser de grandes atributos estéticos ou possuidor de tantas dádivas recebe o elogio de modo banal, o enaltecimento é algo que enfada o belo e a bela, em raros casos fui alvo de consagrações honrosas por determinados feitos, em casos bem mais raros fui louvado por peculiaridades estéticas, recebi tais referências positivas e me alegrei com elas, contudo quero dar destaque à determinada associação que fizeram a um ato meu, associação que me encheu de orgulho, jamais imaginei ser associado á algo tão grande, estava eu em um ambiente litorâneo, em um complexo praiano de arquitetura vintage, de decoração rústica de plástica singular, em tal ambiente era possível encontrar doutores de tantas áreas, residentes de tantas capitais, faces de todas as cores, em tal ambiente 80% dos presentes possuíam boa habilidade em tocar violão, todos tinham um pé na música e não faziam feio em seus respectivos instrumentos, no meu caso a harmônica blues me representava, mesmo com ela o grande pecado de não saber dançar forró e nem tocar violão me assombrava, nesse ambiente coletivo haviam treze violões disseminados no lobby e na margem da piscina do hotel, o som predominante era reggae, pop rock e samba paulista, o meu tédio e carência por um violonista que tocasse blues ou baião para eu simular riffes de acordeom na harmônica me forçou a pegar o último violão disponível, peguei o violão, me assentei em certa extremidade daquele ambiente coletivo e comecei a tocar o som que me compraz em volume tênue, som de autoria minha, suponho que por isso o executei bem, no clímax do som um boêmio ludibriado pela lua e pelo álcool se achegou e começou a cantarolar em cima da harmonia que eu tocava, nesse instante parei de tocar e mostrei a ele como ele deveria cantar, em seguida voltei a tocar e ele a embromar em inglês dentro da melodia que eu lhe sugeri, nesse ato, duas belas loiras internacionais deixaram a roda do samba cujo a qual elas participavam e se aproximaram de nós, da dupla que improvisara um blues dissonante, ao perceber essa aproximação mudei a progressão do som o tornando mais agressivo, quando enfim finalizamos a música as duas únicas expectadoras que tínhamos aplaudiram de modo efusivo, na seqüência essa dupla de belgas cessaram os aplausos e uma dessas me perguntou:

- Do you like John Lee Hooker? - Apontando seu olhar pra mim -

- Yes I love him! Why do you ask me It?

- Cause you play like him!

Emudeci, cinco segundos de silêncio, minha audição fez uma busca de trezentos e sessenta graus, nessa busca minha audição pôde identificar a qualidade de todos que ali tocavam, eu definitivamente era o pior de todos, o único que não sabia tocar violão, mas eu entendi o feeling que fora expresso no momento em que toquei aqueles acordes, em virtude da minha incapacidade de tocar violão eu busquei acordes de modo particular fora do padrão “correto”, é comum aqui no Brasil em rodas de violão tocarem blues de doze compassos, quatro por quatro, naquela pegada rock blues bem amadora e clicherosa, eu como sou do delta, como tenho enraizado em meu cérebro Son House segui um padrão rítmico mississipiano, em virtude disso a gentil belga viu em mim um estilo John Lee Hooker, após essa honrosa referência senti meu ego inflando a ponto de explodir, agradeci ao elogio e me retirei da presença das moças, guardei o violão, pedi pra moça da recepção acessar uma rádio online e trilhar o som ambiente com canções do mestre Hooker, me dirigi ao bar do hotel e cultivei o recente elogio a base de altas canecas de chope gelado.

Enquanto entornava minha terceira caneca percebi que todos os aventureiros metropolitanos que partiram em busca do paraíso natural, que buscavam se desligarem da correria urbana encontraram uma centelha nesse ambiente de caráter paradisíaco, era nítido em todos presentes o prazer proveniente do repouso de espírito encontrado no éden daquele hotel, entretanto, percebi algo perigoso em tal ambiente, havia um enorme perigo por força das peculiares personalidades que compunham aquele espaço, haviam empresários madrilenos, médicos milaneses, comerciantes cariocas, engenheiros chilenos, atrizes alemãs, argentinos rippies, cinegrafistas amadores, fotógrafos profissionais, irlandeses missionários religiosos, e muitos paulistas safados detentores de altos cargos corporativistas, todos esses fugiam da mística que caracteriza uma grande metrópole, assim portanto, foi uma fuga vã por parte de todos, pois o compartilhamento coletivo das experiências profissionais de todos que ali estavam trouxe de modo indireto aquilo que eles procuravam ocultar, a troca de contato telefônico entre todos que confraternizavam era fruto de pretensões em comum entre os forasteiros, ao avaliar a diversidade de talentos, de grandiosos talentos compactados em um mesmo complexo, consegui visualizar o surgimento de um novo império, o surgimento de um novo sistema econômico regido por uma nova filosofia política desenvolvida por esse grupo de viajantes, e é aí que habita o referido perigo, afinal haviam seres extremamente talentosos suprimidos pelo bem estar do capitalismo, pela zona de conforto do bom trabalho rentável, contudo esses bem remunerados por conta dessa força capitalista indissolúvel não podiam exercer o verdadeiro potencial oculto, bastaria alguém propor uma revolução naquele meio que todos presentes encarariam o encargo revolucionário ali proposto, seria como jogar gasolina na fogueira.

Voltarei nesse ambiente sexta-feira agora e terminarei o que ficou pendente, vou botar fogo naquele lugar, vou riscar o estopim e assistir de camarote a esplendorosa explosão, após o baixar da fumaça irei ver o que acontece.

Quero ver quem ficará de pé!

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