segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Coisas que aprendi nos discos.


Era frustrante ter que desenrolar as fitas que se enroscavam nas entranhas do meu antigo aparelho de som k7, mais frustrante ainda era ter que esperar pelos domingos para gravar raros clássicos do blues transmitidos por uma rádio paulista hoje extinta, época em que ainda vivia sobre carrinhos de rolimã, período das coleções de figurinhas, de tantas coleções, desde cartuchos de vídeo game a gibis da Marvel Comics, das coleções mais incomuns que ostentava, a única que me orgulhava era a minha exclusiva coleção de fitas k7 sobrecarregadas de belos blues chiados, elas possuíam valores intangíveis, sobretudo para um menino de onze anos. O conteúdo dessas fitas me mostrou a bela praça de guerra configurada na estrutura não planejada do largo de Osasco, ao passar por lá visualizava a esplendorosa cena dos cinemas, descer a Primitiva Vianco era como aprofundar-se em minas em busca do garimpo de valiosos vinis, contemplar a passagem do trem na terra do cachorro quente trazia-me a cena do adeus, dos abraços, dos encontros, em muitas vezes eu substituía os trilhos por trincheiras e mergulhava no cenário de combates épicos.

A perversidade e a malandrice me foram apresentadas com intensidade nessa época de pré-adolescência , estava eu dentro de uma podre Kombi repleta de negros e brancos suados com destino à zona leste, rumo aos campos de várzea de favelas paulistanas, do banco de reservas assistia a temporada de caça ao meu irmão primogênito, ele deslizava pela lateral, mas logo era derrubado, os predadores eram caprichosos e infalíveis diante da genialidade e finura de meu irmão, eram exatos e mais uma vez ele ia para o chão, quando enfim ele escapava e arrancava o brado da torcida o apito final se tornava sua principal inquietação, pois a mesma desenvoltura mostrada em campo diante de afoitos zagueiros ele teria que demonstrar ao me pegar pela mão e desaparecer daquele prélio, pois certamente haveria uma prestação de contas por conta de sua ousadia mostrada com a bola nos pés, em ambientes como esse, o que acontecia dentro de campo não morria ali, teria continuidade fora dele, e os riscos eram enormes, as conseqüências poderiam ser fatais.

A incapacidade dos meus pais de medir conseqüências ruins me permitiu participar de lugares inabitáveis por crianças ou menores de idade, como se não bastasse eu ser a única criança em meio aos aventureiros eu também carregava um facão afiadíssimo e compunha a cúpula de retaguarda que vigiava os males que poderiam surgir naquela mata, explorei terrenos de diversas naturezas, pontes comprometidas a mais de quinze metros, lama até os joelhos, descidas em perigosos relevos, tudo em busca do cenário perfeito, de cachoeiras, riachos, buscávamos mesclar a sintonia da natureza com a música e o ócio, as “Evas” presentes acompanhavam seus “Adãos” com virilidade atípica, porém típica em artistas dessa natureza, vivíamos o Éden do mal, onde os frutos não eram proibidos.

Muitos anos atrás me disseram que a história estuda o passado com a finalidade de compreender o presente, uma frase clichê cujo a qual não respeitei quando ouvi, esses episódios que foram brevemente mencionados aqui, foram situações que descrevi ao meu irmão caçula, pois ele me perguntou o que eu fazia quando tinha sua idade, quando tinha onze anos, ao mencionar tais episódios ele me disse:

- “Está explicado porque você é assim”.

Dito isto passei a respeitar a frase que julga o intento do historiador, compreendi seu teor, concordo com o dito que diz que para se compreender o presente devemos buscar respostas em episódios passados. Na mesma linha de raciocínio me disseram tempos atrás que a sociologia bem como outras ciências sociais têm por finalidade destrinchar e investigar as causas do presente para melhorar o futuro, ao refletir sobre esse conceito, eu avaliei o meu presente, tentei compreender minhas atuais ações, após essa avaliação pude enxergar o meu futuro, e foi a partir de então que o cerco fechou.

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