quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Embaixador da saudade




O personagem da canção "como nossos pais", exorta seu ente antecessor quanto às boas coisas da contemporaneidade no trecho:

"Mas é você que ama o passado 
E que não vê
Que o novo sempre vem"

Onde subentende-se que seu ente mais velho se opõe à novas idéias demonstrando apego ao clássico e resistência ao novo, tal exortação se faz valer sob a noção do contínuo surgimento de soluções para problemas do passado superados no presente graças ao surgimento do novo, da nova idéia, todavia, nem o maior dentre os saudosistas se contentaria apenas com o canto do galo, com a cela do cavalo e com os arpejos do alaúde, certamente tal saudosista estaria em melhores condições ao despertar com a chiada sintonia da vinheta da rádio novela matinal, pegar o bonde com destino ao centro da cidade a fim de apreciar a peça de metais e percussão, tal exemplo, justifica o caráter saudosista do ser humano independentemente da época, afinal, as rádios novelas sucumbirão diante do cínico cinema áudio e Visual, os passeios de bonde serão substituídos por Cadillacs e aviões, os pequenos concertos serão abrigados em majestosas salas de acústica eclesiástica e os modestos salões de becos serão eletrificados por poderosa amplificação, se trata da natural mutação do todo, pois holograma e teletransporte dispõem de maior eficácia em relação à cavalos, ônibus e celulares, pois possuem características incontestáveis de grande utilidade e bem público, entretanto, ainda assim, serão criticados pelos saudosistas da época vindoura.

Contudo, é possível observar que o saudosista descontente com o novo, assume tal postura por possuir boas experiências com o que caiu em desuso, ele lamenta com grande pesar pela obsolescência da barbearia do simpático seu Manoel, nobre velhinho que cuidou em ornar seu aconchegante salão com artefatos campestres, salão trilhado por boleros, de iluminação mercúrio bem tênue e com cheiro de talco, um bom ambiente derrotado por luxuosos e ofuscantes salões intitulados de estúdios da beleza. 


A boa experiência com o que passou é rememorada durante o garimpo de caixas empoeiradas, onde se encontram antigos panfletos de sapatarias, bicicletarias, botões e parafusos de vídeo games, anúncios de lojas de segmentos especiais hoje extintas e vencidas por hipermercados e lojas virtuais. O confronto com elementos e acessórios de épocas antigas permite ao saudoso  voltar no tempo, enquanto ele divaga sobre o fôlder encontrado no fundo da caixa,  lhe vem à memória o chegar da noite que traz consigo o estalar das lâmpadas mal conectadas ao bocal e seu marcante ruído de eletricidade escapando por entre os fios, da configuração circular das mesas que favorecia o flerte entre os futuros casais, do cardápio com capa de madeira que favorecia o batuque durante as canções de Jovelina Pérola Negra, da estrutura modesta, porém agradável do charmoso restaurante mineiro, hoje transformado em uma loja de fast food pelos herdeiros da finada dona Delfina .

Nessa tônica do dia da saudade, vale destacar a existência daqueles que pouco se lembram do que passou, isso demonstra pouco impacto e pouca relevância aos dias vividos, a ausência de saudade aponta um triste hiato nos dias passados e que portanto, pouco se tem para se trazer a memória.

Quanto ao que tem de ruim no dia presente, devemos atribuir isso à composição do que havia de bom no passado,  quanto ao que tem de bom nos dias de hoje, é a soma do que havia de ruim em épocas atrás, sendo assim, é possível dizer que o presente é refém de ações passadas, o que pela lei do tempo faz com que o presente do futuro sempre tenha os seus representantes saudosistas, os embaixadores da saudade.

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