O monstro da bateria Neil
Peart líder e poeta da progressiva banda canadense experimentou o doloroso
instante da morte, experenciou a perda de sua filha, viveu uma desastrosa
calamidade, foi submergido assim a intensa dor, tais circunstâncias propôs a
Neil o caminho da busca, lançou-lhe à Odisséia, lhe pôs na estrada rumo ao
incerto, essa fuga trilhada nas gélidas e briosas estradas do hemisfério norte
ao norte do Canadá fez de Neil um ser anonimo, sem nome, sem identidade, ele e
sua venenosa Harley que cortava ventos e folhas, montado em sua moto feito um
cavaleiro sem sela e sem camisa, um cavaleiro que cavalga por entre as estações
em busca de respostas, o pranto de Neil causado pela casualidade que levou-lhe
o amor de sua filha foi quem roubou Neil de seus fãs durante esse longo período
de encontro consigo mesmo, mas ele voltou, voltou forte, a dor sangrou,
cicatrizado, foi medicado por distintas atmosferas respiradas pelos cantos e
barrancos por onde sua motocicleta esteve, o bom baterista não se manteve
estático, partiu em busca da cura, mirou a cura e foi curado pela diversidade
alquimista, pela simplória espirituosidade, pelo amor, pela quente paixão de
cidadelas que ardem sob chamas lunares, curado,
voltou para retomar o Rush que o aguardou pacientemente, esse retorno revelou
um poeta mais firme, um percussionista mais leve, as escolhas e adesões de Neil
por onde esteve lhe deram nova identidade, esse caminho de liberdade, de livres
escolhas, lhe embelezou, a mesma beleza adquirida apenas em lugares onde se
chega de barco, talvez nas circunstâncias do século XV o tempo de cura para
Neil teria sido maior ou talvez poderia não ter encontrado essa
conquistada paz, pois não haveria motor para transladá-lo sobre rodas em velocidade sonora, certamente o
artista do século XV em cima de seu cavalo no ato da fuga dispunha de obstáculos distintos aos de hoje,
porém dispunha da mesma liberdade existencial que lhe permite escolher o que é
proposto pelo meio externo a ele, escolhas ruins e boas que no acúmulo vão
dando forma ao caráter do personagem, opções lançadas, opções soberanas e
independentes à existência do ser ao qual são propostas, opções que
caracterizam continuamente a mutante identidade do artista, poderia então o
personagem se mover por trilhos a bordo de uma fúnebre maria fumaça ou voar com
classe em um fino jato, compete a ele decidir o meio de locomoção de acordo
com seu propósito durante a viagem, se trata do passageiro que hora opta pela
nave, hora opta pela locomotiva, em momentos se entrega à paixão, em momentos
se condena ao rancor, nesse caso o único fenômeno arbitrário é não poder
escapar dos tantos encontros que a superfície e suas casualidades lhe submete,
encontros que lhe apresentam novos modelos e novas formas, novas opções a serem
assimiladas e novamente reformular a identidade em constante e infinita
mutação, com isso, a força circunstancial de eventos que ocorrem das mais
variadas formas, sejam elas catastróficas ou prósperas, é o que determinará o
tom da beleza, a velocidade da motocicleta, se será barco a remo ou à vela, é o
que formará a identidade do ser, seja ele gênio ou bobo, pois se hoje ela se
foi, amanhã Neil partirá, mas se hoje ele for fogo, amanhã se apagará.
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