segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Canção de inverno.

A característica cristalina da água embeleza o asfalto molhado durante a condução da luz refletida em seu corpo espelhado, esse movimento da luz lunar de cima para baixo e consequentemente de baixo para cima é melhor observado em noites de inverno quando as ruas ficam desertas, a chuva por si só espanta e entoca os humanos feitos de barro, reúna a chuva que comumente se apresenta no verão a ventos de baixa temperatura, ao nebuloso céu de inverno noturno e terá um cenário sombrio, edifícios, árvores e estátuas, seres desprovidos de ânimo ganham vida e movimentos autônomos, relevos se personificam e se revelam diante da ausência humana, durante esse instante inicia-se o espetáculo do estático artifício e da inanimada natureza, nesse espetáculo as danças são intimidadoras, árvores rebolando ao ritmo de ventos ressonantes, duetos de belas estruturas arquitetônicas abrolham vales por onde desfilam folhas secas, o ar regente desse concerto marcial sintoniza os componentes do show, o tom intimidador põe o único e corajoso observador presente na condição de observado, em pleno apogeu a fugaz exibição se desfaz e quebra a real ilusão, ilusão causada pelo advento do inverno, inverno promotor de reflexão, inverno de lições, inverno de inspirações, para alguns de chocolate quente e cafunés, para outros de expedições, para tantos de emoções, para o samba de inverno um caldo de feijão, para o inverno a base de rumba uma sopa apimentada, para o blues qualquer coisa serve, seja feijão, seja sopa, afinal o fracasso e o sucesso são irmãos aliados materializados contudo inexistentes, esse dinheiro no meu bolso vale um aquecedor, uma garrafa de uísque irlandês, duas fichas de sinuca, vale o corpo dessas lindas strippers que agora me olham, mas não paga e não traz talento para a canção a seguir que me foi confiada no presente palco à minha frente, não paga o respeito e a admiração que Mr Slow Saluotto e Mr Crawley Mitch Snake compartilham reciprocamente com seu fiel público, um público fiel que lhes afasta do fracasso e lhes vacina do enganoso sucesso, Dona Florinda aplaude com enorme ufania o poema recitado por Kiko, notem que seus solitários aplausos são mais calorosos e intensos do que os aplausos de toda a vizinhança, o solitário aplauso da fidelidade, o aplauso da verdade, e foi aí que assimilei a justiça das palavras repreensivas do sabido Michel - “Verdadeiros bluesmen, não se preocupam com a voz, eles simplesmente cantam, portanto, cante e chega de conversa!” - agora pois, pois já ingeri a forte lição que me foi dada, irei tocar a trigésima canção, a canção perdida, esquecida, canção que nunca teve um público fiel, teve público algum, então que ela surja quente nesse inverno e que tudo mais vá para o inferno.

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