quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Política da boa vizinhança.


Às vinte e três horas da noite de ontem faltou orégano, o principal ingrediente pro molho do tempero do meu lanche a base de salame e queijo prato, nesse instante pensei na política da boa vizinhança, vizinho algum poderia negar uma xícara de sal ou açúcar, a mesma regra vale pra uma colher de orégano, porém, pensei no final de semana passado quando infectei as roupas do vizinho ao lado com fumaça de churrasco promovido na calçada de minha casa, lembrei da intolerância manifesta pela vizinha da frente por conta das longas horas em que ouvíamos a discografia de Billie Holiday e Gatemouth Brown, no caso do vizinho de baixo a intolerância partiria de mim pelo simples fato dele usar camisetas do Luan Santana com as lindas letras de suas músicas na parte oposta da camiseta, nessa reflexão sobre meus vizinhos invejei os moradores do extinto Solar da Fossa, a pensão carioca que abrigava cultura, construída no século 18 e transformada em um conjunto de apartamentos localizados nos limites do bairro do Botafogo e Copacabana, era um conjunto habitacional conhecido por atrair jovens talentos no epicentro dos anos sessenta e início dos anos setenta, dentre esses, Chico Buarque de Holanda, Gilberto Gil, Naná Vasconcelos, Paulinho da Viola, Marieta Severo, dentre outros, o Solar da Fossa trazia em seu cotidiano histórias espetaculares, ora, um local recheado de gênios não poderia carregar nada menos que episódios extraordinários, local peculiar capaz de atender quaisquer que fossem as emergências, tanto as possíveis quantos as impossíveis, afinal, não se pode duvidar do malandro, do artista de circo, da menina bonita bordada de flor, do trovador, do batuqueiro, do violinista e muito menos do morador que devia quatorze meses de aluguel.
As minhas emergências são chulas, mas se Zeca Baleiro morasse na frente de minha casa provavelmente ele teria uma gravata específica para me emprestar pra um show de última hora, pediria auxílio ao vizinho Chico Buarque na composição do cenário do meu primeiro longa metragem, nas madrugadas de bossa teria cordas pro meu banjo e orégano pro meu lanche concedido por Hermeto Paschoal, se Pixinguinha morasse na rua de traz estaria a um passo de uma Jam de choro na garagem de Yamandu Costa que seria meu inquilino da casa de baixo, convidaria o mago Valdívia para o samba de sábado e tentaria entender sua cadência atemporal, em dias de stress e cansaço iria na casa número 17 propor a May Castle um sessão de musicais da Broadway e clássicos dos jazz anos vintes ao ritmo de seu sorriso, em dias de pinga colocaria o forró do Cardozo e brindaria com Simone Conforto, assistiria na casa de Fernando Mendes programas de astronomia da Discovery Channel e certamente nunca ficaria na mão diante dos imprevistos que pudessem ocorrer, pois estaria a mercê de artistas que desconhecem a definição da palavra limite, tamanhas influências certamente me tornaria um cientista mais sagaz menos exato e mais safado.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Canção de inverno.

A característica cristalina da água embeleza o asfalto molhado durante a condução da luz refletida em seu corpo espelhado, esse movimento da luz lunar de cima para baixo e consequentemente de baixo para cima é melhor observado em noites de inverno quando as ruas ficam desertas, a chuva por si só espanta e entoca os humanos feitos de barro, reúna a chuva que comumente se apresenta no verão a ventos de baixa temperatura, ao nebuloso céu de inverno noturno e terá um cenário sombrio, edifícios, árvores e estátuas, seres desprovidos de ânimo ganham vida e movimentos autônomos, relevos se personificam e se revelam diante da ausência humana, durante esse instante inicia-se o espetáculo do estático artifício e da inanimada natureza, nesse espetáculo as danças são intimidadoras, árvores rebolando ao ritmo de ventos ressonantes, duetos de belas estruturas arquitetônicas abrolham vales por onde desfilam folhas secas, o ar regente desse concerto marcial sintoniza os componentes do show, o tom intimidador põe o único e corajoso observador presente na condição de observado, em pleno apogeu a fugaz exibição se desfaz e quebra a real ilusão, ilusão causada pelo advento do inverno, inverno promotor de reflexão, inverno de lições, inverno de inspirações, para alguns de chocolate quente e cafunés, para outros de expedições, para tantos de emoções, para o samba de inverno um caldo de feijão, para o inverno a base de rumba uma sopa apimentada, para o blues qualquer coisa serve, seja feijão, seja sopa, afinal o fracasso e o sucesso são irmãos aliados materializados contudo inexistentes, esse dinheiro no meu bolso vale um aquecedor, uma garrafa de uísque irlandês, duas fichas de sinuca, vale o corpo dessas lindas strippers que agora me olham, mas não paga e não traz talento para a canção a seguir que me foi confiada no presente palco à minha frente, não paga o respeito e a admiração que Mr Slow Saluotto e Mr Crawley Mitch Snake compartilham reciprocamente com seu fiel público, um público fiel que lhes afasta do fracasso e lhes vacina do enganoso sucesso, Dona Florinda aplaude com enorme ufania o poema recitado por Kiko, notem que seus solitários aplausos são mais calorosos e intensos do que os aplausos de toda a vizinhança, o solitário aplauso da fidelidade, o aplauso da verdade, e foi aí que assimilei a justiça das palavras repreensivas do sabido Michel - “Verdadeiros bluesmen, não se preocupam com a voz, eles simplesmente cantam, portanto, cante e chega de conversa!” - agora pois, pois já ingeri a forte lição que me foi dada, irei tocar a trigésima canção, a canção perdida, esquecida, canção que nunca teve um público fiel, teve público algum, então que ela surja quente nesse inverno e que tudo mais vá para o inferno.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Guerra fria



As algemas sociais forjadas em nossos punhos me obriga absolver os hipócritas fariseus, os impiedosos soldados cruzados e até corintianos de seus pecados dolosos, também me faz retirar o galardão concedido aos atinados agnósticos, aos benevolentes beatificados e aos genuínos palestrinos, é cheio de sentido o ditado que recomenda ensinar a criança em qual caminho andar, pois quando crescer muito dificilmente se desviará do caminho ensinado, em outras palavras, os adultos de hoje são as crianças doutrinadas de ontem, isso talvez justifique diversos episódios de revelações surpreendentes, é comum adolescentes “virarem a casaca” após a maior idade por não mais estarem submetidos à coerção de preceitos familiares, poucos se desviam dos conceitos culturais instituídos por seu meio social, é mais comum a maioria manter com orgulho as tradições adquiridas pelo meio social no qual foram inseridos, ao partir desse princípio não se pode condenar hábitos e práticas alheias aos valores “politicamente corretos”, afinal toda a realidade social é alheia e arbitrária, as crianças francesas não têm culpa de falarem o idioma francês, bem como os pequenos chineses não podem serem ridicularizados pela pouca habilidade no futebol, não tive a chance de escolher a cor da roupa no meu primeiro dia de vida, antes mesmo que eu adentrasse no ventre de minha mãe aquela peça de roupa já existia nas vitrines.

Por considerar que os fatos sociais são externos ao ser, venho publicamente perdoar meus contemporâneos amigos corintianos por esse desvio de conduta, por alimentarem sentimentos de apreço e torcerem pelo Esporte Clube Corinthians Paulista, de certa maneira eles não tiveram culpa nessa infortuna escolha imposta na fase infantil, quero também redimir a culpa das infelizes inquisidoras da contemporaneidade que buscam crucificar mulheres suspeitas de possuírem divindade (semi-deusas), por tal razão peço a compreensão das belas morenas brasileiras que reúnem em si a fina flor da beleza universal do nosso país tropical multirracial, rogo às admiráveis moças orientais, às moças de clássica beleza europeia e à todas mulheres abençoadas com o dom da beleza que se esquivem da maldita guerra estética milenar travada entre vocês, que se livrem da maldita hipocrisia injetada em vossos corações ao longo dos séculos criadora da incapacidade de reconhecer a eminência estética alheia, essa maldita praga tem a única função de destruir a bela imagem que apenas vocês podem exibir, mas enquanto esse conceito não for assimilado, compete as moças vítimas da própria beleza se adequarem a vida social diante da bárbara infantaria composta por “soldadas” cruéis e angustiadas, essas militantes do mal visam destruir a beleza do místico sorriso encontrado apenas em moças munidas de nobre empatia, impiedosas guerrilheiras que buscam apagar o brio dos hipnóticos olhares dispostos apenas em mulheres armadas com o veneno da sensualidade, essas meras peãs dessa infeliz guerra cessarão apenas quando ingerirem o doce sangue dessas admiráveis musas do alto escalão da beleza feminina, contudo, compreendo a oposição por parte das inquisidoras modernas, esse despeito vem passado de geração em geração, um vírus clássico que as aprisiona ferrenhamente, temos que conviver com essa infecção, pois ainda não existe cura para esse vírus.

No jogo de xadrez a rainha é a peça mais temida por ser a peça mais completa em movimentos, com isso, sugiro a dama de cabelos dourados por ser detentora de diversos privilégios estéticos e completa em sua plenitude feminina que reforce a guarda real, que esteja sempre alerta, que se mantenha atenta aos ataques inimigos, pois se realmente essa hipotética guerra existir certamente ela estará entre as mulheres mais procuradas do planeta.