Um gênio da dramaturgia me disse com profunda propriedade que não havia ambiente mais místico, curioso, tenebroso, romântico, saudoso, triste, mágico e feliz que as entrelinhas de um belo hotel, mostrou-me na prática decisões valiosas e negociações determinantes realizadas em sofás de luxuosos lobbies, revelou os serviços de quarto extra-profissionais que garçons concediam à clientes carentes, disse de fantasias vivenciadas por camareiras no calar da madrugada ao usurpar a realidade de famosos hóspedes ultrajadas de vestes alheias e na contemplação de seus artefatos, mostrou que um recepcionista não poderia apenas dominar idiomas e sim também as técnicas terapêuticas freudianas para acalentar a dor dos forasteiros que fugiam da dor do amor mal correspondido (nesse caso mal é diferente de não), em bares e lobbies no interior de hotéis esplendorosos eram feitas grandes amizades, iniciavam-se grandes amores, tramas, planejamentos de crimes, toda ação humana que se poderia imaginar.
Ele resume tudo isso de modo fantástico, um bom ambiente hoteleiro pode ser resumido como um log book musical, um hotel é nada mais que uma boa peça musical, um hotel é um musical.
Antes de conceber tal pensamento, no meu primeiro dia como funcionário de um determinado hotel, senti o horroroso contraste ao perceber que a trilha sonora, o som ambiente das noites desse hotel era nada menos que música eletrônica e pop rock, não pude esperar por mais um dia sequer, audaciosamente me dei a liberdade de invadir a recepção e redeterminar a trilha desse território cinco estrelas, de modo apelativo iniciei com a diva Billie Holiday seguida de Otis Spann, T-Bone Walker e por fim o concertino de percussão em ré menor, obviamente não houveram objeções pois a harmonização foi instantânea.
A partir de então as loiras italianas climatizaram melhor seus curtos cabelos loiros com os lustres dourados do lobbie do hotel, os chefes africanos sentiram suas raízes expressas no ar, suponho que a sintonia entre ambiente e trilha tenha embelezado as insossas chinesas, "carismatizado" as rudes holandesas e revertido o negativo para o positivo em um todo, esse pequeno exemplo confirma a teoria de que um hotel com tais condições daria uma boa peça pra Broadway.
Hoje voltarei nesse hotel que trabalhei e tentarei ver se houve alguma influência deste na minha mais nova canção circense, pois como se não bastasse até delegações de clubes de futebol mostravam seu choro no fim de uma partida perdida nesse lobbie misterioso, bem como passavam madrugadas acordados comemorando a vitória num clássico regional, arrisco a dizer que além de um musical um bom hotel também é uma mesa redonda que aquece as tantas discussões que fervem o volúpio mundo dos boleiros, sei que foi numa noite embriagado nesse hotel que nasceu as primeiras estruturas melódicas de "Girl of Castle", talvez nos meus deleites sobre as pancadas que o Corinthians tomava nas tardes de domingo tenha saído os jargões que complementam meu rock de futebol.