quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Torre de Babel




 Para erguer uma torre até o mais alto céu, não é preciso dominar a língua do homem nem a língua dos anciões, não é preciso compreender a língua dos deuses, para erguer uma torre que arranha o firmamento não basta dominar as leis da física, não basta compreender cálculos quânticos, para erguer uma torre até os céus é preciso a ginga do pedreiro que mexe a massa, dos moleques que suspendem as latas, é preciso harmonia na interação coletiva, é preciso sintonia entre as partes, tal sintonia, tal harmonia, a engenharia humana é incapaz de explicar.

 A tentativa fracassada dos nossos antepassados em erguer uma torre que transcende as nuvens se deu pela incapacidade de compreensão, a diversidade de idiomas foi o grande problema, naquele instante, muitos eram os idiomas falados, todas as línguas do mundo ali estavam, exceto a linguagem dos olhos, exceto a língua universal da compreensão, a língua do feeling, a língua da boa vontade não era falada em meio aquela confusão, com isso o fracasso foi inevitável, a torre veio a baixo, ruiu e soterrou a petulância daqueles que buscavam ascender aos céus.

 No topo dessa torre jamais construída está a resposta para os mistérios da vida, pois em cima dela está o resultado da união, está a unidade construída pelo poder da interação coletiva, os construtores dessa torre não falam a mesma língua, não dispõem das mesmas habilidades e força, todavia, possuem o poder da compreensão, sendo assim possível somar forças para tamanha ambição, no topo dessa torre  jamais construída está a resposta para o amor a primeira vista, pois ele não necessitou de palavras pra acontecer, está o amor incondicional, pois ele não precisou de condições pra existir, nela está toda espirituosidade que faltou para os antepassados que fracassaram sob o senso comum, incapazes de se adequarem em meio a incompreensão. 

 De cima dessa torre que jamais existiu é possível assistir ao eclipse dos anjos, onde a luz angelical que emana dos céus ofusca todas a formas de luz que vão para terra, uma luz tão forte capaz de ocultar de nós toda a verdade que está além das portas do céu.

 Talvez sejamos incapazes de construir algo tão grandioso, talvez os deuses temam nossa aproximação, talvez Eles temam que essa torre nos leve a tão procurada compreensão.   

 Enquanto isso, enquanto projetamos os fundamentos dessa torre, você aí que é diferente de mim não me tema, você aí que é diferente dele não o exclua, você aí atrás que se julga diferente de todos não se sobreponha, você aí que supõe que todos são iguais não seja tolo, você aí que sabe que é diferente de todos não se diminua, ora pois, antes que essa exortação me leve ao apedrejamento, não irei propor aqui um brinde a diferença, pois ela é a razão de todos os males, muito menos um brinde ao senso comum, pois ele é a certeza dos grandes males.

 Seja na diferença ou na unidade, para que surja a torre da ascensão, só peço uma coisa, só peço compreensão.


quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Arca do neo



 A arca do novo mundo está sob o comando do grande Ministro, aquele que guiará os remanescentes a um novo ciclo pós apocalíptico, o grande Ministro que detém o leme da embarcação é chamado de lorde junto aos mais nobres, pelos mais íntimos conhecido por capitão, os ímpios o proclamam almirante, pelos gentis chamado de Mediador, pelas crianças notado como barqueiro. 

 Tamanho é o fardo desse grande líder, selecionar os remanescentes para continuar a vida em um novo continente, uma tarefa ingrata e doída, levá-los a um continente que brotou milagrosamente do mais profundo oceano, uma terra nova de águas cristalinas a sua borda, hábeis pescadores portanto, serão necessários a bordo da arca para garantir os frutos desse vivo mar, há a expectativa de gigantescas árvores que invadem as nuvens, assim, pés ligeiros e mãos elásticas serão essenciais para apanhar frutos dos altos galhos, uma terra fértil não ao ponto de emanar leite, mas não seria surpresa se dela germinasse mel, um território próspero e dinâmico que precisará de bons líderes para garantir sua sustentação e prosperidade, não basta então o bom barqueiro selecionar hábeis mãos, braços fortes, mente inventiva e primorosa, será necessário transcender o primor e encontrar pensamento agudo, mente sensível, perceptiva, a composição do novo mundo precisará de entendimento em meio as ambiguidades.

 Uma busca difícil por exigir novos conceitos e concepções inéditas, terá então esse mediador que meditar sob o escopo do improvável, terá que se despir de vaidades, de convicções e padrões pré estabelecidos, essa lavagem interna eliminará valores e preceitos contaminados pelo velho mundo, mundo que ficará pra trás deixando algumas boas saudades, mundo que deu errado em meio a tantas certezas.

 Pobre barqueiro, talvez não sobreviva durante o longo percurso rumo ao novo mundo, a tempestade externa pode sim naufragar a arca antes que ela chegue a seu destino, embora uma tempestade interna seja mais provável, diria até que mais destrutiva que os fenômenos da natureza. O grande Ministro padece ao mediar as tantas facetas que enfim embarcaram, o dilema das diferenças que se confrontarão na fundação do novo mundo já dá um aperitivo a bordo da arca que finalmente partiu, um recomeço que inicia turbulento, o excesso de contingente obriga a arca a partir condenando os que ficaram para trás.

 Aliviados e inconformados já ensaiam conspirações em oposição ao grande Mediador, a ala do norte indigna-se pelo excesso de idosos, a ala do sul pelo excesso de crianças, a seleção diversificada do capitão indignou a ala do centro, centristas presos a velha conduta almejavam por uma arca monocromática, com a menor diferença possível, a ala dá direita se opunha ao Lorde por discordarem do alto número de passageiros, julgavam desnecessário a quantidade de incompetentes que ali estavam, já os componentes da ala da esquerda planejam a derrocada do almirante por estarem insatisfeitos com a baixa lotação da embarcação, alegam a má distribuição do espaço na barca, espaço este que comportaria um maior número de tripulantes, diminuiria então o número dos deixados para trás.

 O Mediador segue sua viagem com destino ao novo mundo, resta saber se ele sobreviverá, se resistirá a força das diferenças, se viverá pra ver a tentativa de um recomeço.

 Mesmo em meio ao conluio, o grande Ministro sabe que esse reinício não tem espaço para a utopia e nem tampouco para a supressão militar, ele então inventa alternativas, improvisa ao liderar, se mistura aos privilegiados que ganharam uma segunda chance de recomeçar.

 A subsistência está lançada à sorte, a arca chegará a seu destino após essa longa jornada?  

 Quem vai saber?