terça-feira, 20 de outubro de 2015

Vergonha



Wolf enfim se depara com o absoluto nada, ele desperta nessa imensidão silenciosa e pensa ter morrido, pensa então o quão nociva é a credulidade, lembra de quando era criança quando seu tio lhe dizia que os lobos uivantes das montanhas viriam lhe buscar,  do terror que sentia  ao ouvir seu tio lhe educando através do medo, Howling Wolf caminha em meio a esse imenso nada,  frustrado e envergonhado, mais envergonhado do que frustrado, de qualquer forma pouco importa o tamanho dessa vergonha, afinal, morreu o grande Howling Wolf.

 Morto e envergonhado, vergonha de ter sentido o que sentiu, de todo o prazer que de nada valeu, frustrado não mais, as emoções, amores mal vividos, decepções que teve em vida não lhe incomodavam mais, tudo isso já não importava, a vergonha por outro lado insistia em ficar, a vergonha mesmo após a morte lhe acompanhava, pior do que a tristeza de uma vida vã, era a vergonha de viver um engano, de viver o engano, engano este que lhe indicou um caminho vão, ideologias e objetivos vazios.

 Maldita credulidade! Wolf creu naquilo que não podia ver, viveu então uma vida baseada na espera, na expectativa de uma recompensa, moldou e sufocou suas aptidões e desejos por algo incerto, esqueceu do presente por temer o futuro, Wolf contudo, teve uma vida afortunada, difusa, repleta de deleites, entretanto, a bendita crença impediu a progressão desses prazeres, essa esperança pelo desconhecido não chegou a interromper os deleites da vida de Howling Wolf, mas afetou o bom aproveitamento de sua  vida fugaz.

 Ainda caminhando em confronto com a vergonha finalmente as comportas surgem diante de Wolf, elas se abrem sem terror ou esplendor algum, Wolf adentra às convidativas portas e procura por calçadas de ouro, por anjos cantando Hosana nas alturas, por não dispor de uma alma santa, procurou também pelos círculos do inferno, por ser lascivo procurou pelas virgens do islã, ele muito procurava mas nada encontrava, surge então um novo portão, Wolf o abre, abre esse alegórico portão e desperta, já acordado e aliviado, ofegante, Wolf calça seus  sapatos, levanta da cama, levanta da morte e vai viver,