O cansaço e a tristeza podem durar pela manhã e por uma tarde inteira, mas a alegria vem pela noite quando AC/DC entra no palco.
Aproximadamente três meses atrás foi confirmada a integração do Brasil na Black Ice tour, notícia que inflou os ânimos dos fãs de AC/DC por toda América do sul, a partir de então, fãs ansiavam pela divulgação da data do show e da abertura das bilheterias, a venda dos ingressos para o tão sonhado show iniciou-se no dia primeiro de outubro, dia em que se esgotaram todos os ingressos, ingressos disputados com unhas e dentes, aos que conseguiram assegurar ingressos para o show ficou a angustiante espera pelo dia vinte e sete de novembro, aos que não conseguiram ficou a frustração e a tristeza por tamanha perda.
Cariocas, mineiros, pernambucanos, curitibanos, gente de todo Brasil e alguns amigos do MERCOSUL, partiram na véspera desse grandioso evento que contemplaria uma das maiores banda de rock and roll de todos os tempos, partiram rumo ao Panetone mais famoso de São Paulo onde seria realizado esse show histórico na maior metrópole da América do sul.
A mística de prestigiar o Power trio composto por Malcolm Young, Cliff Williams, Phil Rudd e contemplar a double trouble, Angus Young e Brian Johnson consumia e guiava a gigantesca fila de espera para o show, AC/DC reúne fãs com facetas incomuns, em sua maioria verdadeiros amantes da música, nessa árdua agradável longa espera ocorreu episódios dignos da peculiaridade da situação, curitibanos dizendo que o coxa é o maior time do Brasil com alegações ilógicas e nada convincentes, gaúchos gremistas e colorados debatendo com saopaulinos em seu pleno lar quem é o time mais simpático do Brasil, cariocas apreciando o saboroso cachorro quente paulistano, pernambucanos vítimas de escárnio público por não disporem de ultraje “ao rigor do show”, havia até um polonês que chorava em alemão a morte de seu lindo cão, argentinas de linguajar castelhano que sorriam-me em português, cristo também fazia-se presente nessa maratona de espera abençoando os presentes com sua simpatia, o impacto do vai e vem dos fura filas e da necessidade de álcool gelado para se abastecer nessa dura disputa por um lugar privilegiado nas lindas gramas do Morumbi fizeram-me perder minha harmônica preferida, considerem uma perda coletiva, pois através dela seria entoado o ruído do trem de “Rock n' Roll Train”, em suma, por mais dura que tenha sido essa disputa, todos saíram ganhando, pois o show começou ainda na fila através do espetáculo dos diversos personagens presentes, dou destaque a um segurança astuto que enriqueceu-se de modo corrupto ao vender lugares na fila e por sua falta de profissionalismo em causar risos na multidão com piadas desconcertantes e espírito sagaz.
Finalmente abrirão os portões, o brado da galera era ensurdecedor, a equipe de apoio juntamente com a polícia militar perturbava-se ao tentar controlar o descontrole eufórico da multidão, em poucos minutos o panetone estava cheio de amantes de verdadeiro rock and roll (sem querer ofender a RadioHead company), as arquibancadas completamente preenchidas e a imensidão do campo tomada por um público brasileiro digno de aplauso, definitivamente somos a melhor platéia do planeta, restavam apenas quatro horas para o início do grandioso show, nesse curto intervalo de tempo, o céu brasileiro prestou uma nobre homenagem ao público que fora castigado pelo fervoroso sol, ele mandou uma chuva sonora que cadenciava o público que esperava por AC/DC, para amenizar a ansiedade que assolava os expectadores inclusive eu, organizei um campeonato brasileiro de truco, reuni mineiros, paranaenses, cariocas, gaúchos e paulistas para matarem o tempo jogando baralho numa bela confraternização, foi uma medida feliz, pois a saudável rivalidade que criei distante de sintomas chauvinistas distraiu a imensa galera que estava comigo, definitivamente estava armado um perfeito cenário de espera pelos virtuosos velhinhos australianos do AC/DC, tão perfeito que essa jogatina interestadual era trilhada pelo maior guitarrista que a música já produziu, a produção do evento foi extremamente feliz ao fazer-nos esperar por esse grande show ouvindo Buddy Guy, entretanto, havia uma galera de gaúchos que estavam atrás da roda onde acontecia o campeonato de truco, esses gaúchos blasfemavam contra o nome de Buddy Guy, instantaneamente larguei minhas cartas e fui repreendê-los:
- Hello, de que lugar do Brasil os senhores são?
- Somos de Porto Alegre! (Disse um gaúcho com pinta de galã).
- Prazer em conhecê-los, sejam bem-vindos à São Paulo, terra de todos!
- Obrigado! (o coro de três vozes, dois homens e uma linda loura mulher).
Contudo esses três gaúchos tinham em sua companhia uma maravilhosa morena com olhar de fogo, notei que essa moça que estava no clã dos sulistas observava-me atentamente com ligeira cobiça, observei isso e disse:
- Quando vocês voltam para o sul?
- Iremos sábado às 18h. (Disse o outro gaúcho).
- Oh! É uma pena, domingo agora haverá um grande evento de curadoria da Telefônica, (Telefônica Open Jazz) esse festival que será realizado no parque da independência, trará Dianne Reeves uma excepcional cantora de jazz contemporâneo, trará também Buddy Guy, o maior guitarrista que a música já produziu, palavras de Angus Young, guitarrista da nossa amada banda AC/DC.
- Infelizmente não poderemos, o nosso vôo já está agendado para sábado. (estava nítido o lamento nas palavras da linda gaúcha).
Logo em seguida aquela morena que até então apenas observava-me com um lindo sorriso insinuante disse:
- Qual é o seu nome?
- Meu nome é Ronaldo, embora eu prefira que me chamem de Correia, pois meu nome fatalmente foi banalizado pelos alienados amantes de Pânico na TV.
-Te compreendo, prazer em conhecê-lo Correia, meu nome é Bruna! (apertou minha mão acintosamente fisgando-me com a ilusão de sua poderosa técnica ocular).
- Prazer em conhecê-la Bruna, a senhorita me permite repreendê-la?
- Fique a vontade!
- Esse guitarrista que irá se apresentar no Ipiranga no evento da Telefônica é o mesmo guitarrista que você está ouvindo agora, é o mesmo guitarrista que tu desdenhaste agora pouco!
- Não me entenda mal Correia, porém eu não considero esse momento propício para se ouvir blues!
- Você gosta de blues?
- Não muito!
- Oh Baby! Saiba que AC/DC junto com Led Zeppelin são bandas essencialmente blues.
- Não vamos entrar nesses méritos, você mostrou-se bastante simpático, fale mais de você, de onde você é?
- Eu sou natural do estado do Piauí, vim pra são Paulo com três anos de idade, e você de onde é?
- Sou daqui de São Paulo mesmo.
- Logo vi que você não era gaúcha, o seu olhar comunicava-se comigo em dialeto paulista.
- Nossa! Então rapaz, quanto a esse show que acontecerá no parque da independência eu pretendo participar, vamos manter um contato para vermos esse show juntos, assim, no dia desse show você poderá me falar melhor sobre o meu olhar paulista pois falta poucos minutos para começar o show e por mais que eu queira continuar conversando contigo, suponho que o show será mais interessante.
- Sim baby, agora pois irei entrar no clima do show, antes que ele termine pegarei seu telefone para mantermos o contato, o meu celular está na mochila daquele garoto alto de olhos verdes e não estou em condições de decorar seu telefone pelas altas doses de Green Label que ingeri.
- Ok Correia! Espero que me perdoe pelas palavras mal proferidas, não tinha a intenção de blasfemar contra o maior guitarrista do mundo.
- Ganhaste o seu perdão no instante em que olhaste pra mim com enorme graciosidade, sinta-se exclusiva por dispor dessa poderosa arma de sedução.
- Obrigada!
O silêncio instaurou-se no momento em que eu e a maravilhosa bruna conversávamos, enquanto estávamos em perfeita harmonia meu irmão Renato interrompeu-me para dar-me uma antártica sub-zero, no ato dessa interrupção a música de Buddy Guy cessou e as luzes se apagaram, era o anúncio do início do show, nesse instante o brado dos presentes ecoavam por todas as dimensões do universo, posicionei-me para contemplar a fina flor do Rock n’ Roll, quando finalmente o show começou com a animação no telão, a loira linda gaúcha aproximou-se de mim, apoiou-se por detrás do meu ombro com o queixo encostado no meu trapézio e disse abraçando-me por trás:
- Posso assistir o show aqui contigo, juntinhos?
Olhei paro o palco, na sequência olhei para as luzes do palco refletidas nos olhos da bela loira e atendi o gentil pedido, afinal se tratava de uma representante exemplar da nobreza feminina, os olhos dela estavam na mesma altura dos meus, moça alta para os padrões femininos, seus cabelos molhados pela chuva liberavam um aroma fascinante, pensei rapidamente em ceder a linda bruna para meu irmão Renato, todavia, o primeiro acorde de Angus Young derrubou todos que estavam no Morumbi, o frenesi tragou a sanidade de todos presentes, a voracidade do público da pista era tamanha que imediatamente me aproximei do meu irmão para não perdê-lo de vista, estava ciente de que se me afastasse dele não iria encontrá-lo facilmente no meio daquela loucura, quando olhei pra trás a loira e a morena que disputavam-me já não estavam ao alcance de minha vista, fato que não me perturbou, pois estávamos submergidos na tenebrosa força emanada pelo supremo rock ACDICIANO, sentimos na alma a força da corrente alternada e contínua proveniente do vocal de Brian e das baquetas de Phil Rudd, após a quinta música “Dirty Deed’s” eu vi o quão privilegiado eram todos os que testemunhavam esse espetáculo singular, um verdadeiro tributo ao rock, à música e um prêmio impagável aos que pagaram pelo ingresso, essa súbita percepção obrigou-me agradecer ao meu irmão que presenteou-me com esse ingresso, um show enérgico de força sobrenatural capaz de mover o céu e o inferno, o meu gesto de gratidão não foi com palavras, foi com uma ação prática, coloquei-o em meu ombro para melhor visualização do palco, colocava-o em meu ombro quando a banda tocava suas músicas preferidas, não estava em condições físicas para tanto em razão do cansaço adquirido na dura maratona para show, mas utilizei da força que restava em meus mocotós para fazer esse gesto de gratidão, o show progredia com violenta intensidade de comoção, uma comoção mútua entre banda e público, tal evolução castigou o público com o excepcional desfecho, nos deram o duro castigo de saber que esse foi o último show da banda no Brasil e de que a banda está à beira da aposentadoria, uma verdadeira penitência aos fãs que fatalmente viram um glorioso show acabar.
Não obstante a essa célebre experiência de ver AC/DC na sexta-feira, teria também Buddy Guy no domingo, um sério risco de lesão emocional para um amante do Blues, mesmo ciente do perigo que seria o show do mestre Buddy, me atrevi a vê-lo, ouvi-lo, mesmo ainda me recuperando da contusão na alma adquirida na sexta-feira, fui novamente ferido ao presenciar o último brado e sorriso de Buddy Guy no Parque da independência, ele com sua guitarra estendida proclamou a libertação das vinte e cinco mil pessoas que lhe cultuavam nos gramados às margens plácidas do Ipiranga.
Eu Estava ferido de modo mortal, com poucas chances de recuperação, com isso fui em busca da cura perfeita, busquei refúgio na minha harmônica, mesmo medicado por ela ainda permanecia doente pela surra aplicada pelos arranjos talhantes de Malcolm Young e Cliff Williams, detonado pelas fábulas manifestas nos solos de Angus Young e arruinado pela supremacia de Buddy Guy, já sem esperança de recuperar-me por completo surgiu inesperadamente a cura para o meu mal, o alívio sobreveio-me quando ainda estava no Ipiranga, encontrei a cura para minha enfermidade nos movimentos pré-fabricados de uma moça de charme espontâneo, ela notou minha dor e curou-me, utilizou de sua misericórdia e concedeu-me um medicamento natural, para minha sorte a naturalidade do magnetismo atrativo daquela sublime jovem trouxe de volta minha lucidez, já curado e lúcido pude sentir a franqueza de seu semblante envolvente, confirmei a espontaneidade da paz transmitida por essa amável “paraense”, portanto, já que não pude pagar por esse tratamento, irei dedicar o meu blues-carimbó (Boneca de Olinda) à senhorita Sena que amistosamente me guiou ao entendimento da força de AC/DC e ao poder de Buddy Guy, AMÉM!
Post número 100
ResponderExcluirhahahaha q fofíssimo! adorei o fim da história, mas sou suspeita p/ dizer!!
ResponderExcluirEstou aguardando ainda p/ conhecer o seu som!!
E fico mto feliz em saber que lhe trouxe toda essa paz, é assim que eu me senia aquele dia... e era bom... e é incrível pensar queconsegui transmitirisso a algo, mesmo que sem perceber.
Beijos e foi um prazer conhece-lo!
A Malte & Vinil (minha banda), agradece a senhorita Carolina Sena!
ResponderExcluirde fato uma história detalhada e empreendedora...
ResponderExcluire a verdade é que fikei exatamente como nos primeiros paragráfos.. fui de tal forma horrivel não ter ido ao shows dessa lendária banda, no qual vc escreveu com muito veracidade à respeito do AC/DC.
muito bom Tanta!
Esmeralda rs