O picar dessa cebola trouxe à
mesa o pecado da ira, sua péssima coordenação motora ao moer esse punhado de ervas
finas não é razão suficiente para explicar minha agressividade e remir minha culpa, meus olhos
queimando talvez expliquem minha grosseria, atribuo então meu
destempero à acidez que fluiu da cebola, não, não é o ardor da cebola a razão
dessa impaciência, não são os olhos na dor, nem a assadeira ainda não
polvilhada, nem o forno ainda frio com a chama apagada, essa fúria gratuita
nasceu desses mesmos olhos agora ardendo em flamas, maldito dom da visão, a
porta de entrada aos desejos, um convite ao pecado da cobiça, a ira então brotou
do anseio, do desejo que penetrou por entres os olhos, justo então o castigo
que a cebola deu a eles.
Resta saber se essa água quente
que espirra em mim é resultado do seu destrambelhamento, ou se é vingança em resposta a minha estupidez, suponho não ter sido tão rude a ponto de merecer um banho de água
fervente, ao contrário da visão, o sentido do tato não teve participação no
nascimento desse desejo, não merecia ser escaldado, venho então em defesa do
paladar e do olfato, assim como o tato, paladar e olfato já são suficientemente
castigados pelos anseios e pela vontade, pelo desconhecido prazer, a exclusiva experiência dos olhos e ouvidos inflama a gana do olfato ansioso pelo misterioso cheiro, incita a sede do paladar pelo secreto sabor e dá ao tato a temperatura ideal para sentir o desconhecido calor.
Difícil será
defender o dom da audição, tão culpado quanto o dom da visão, aquela agradável sonoridade captada pela audição produz um desejo pecaminoso de tom maior, creio que por isso a penitência aos meus ouvidos seja diária, a cada play dado na casa do vizinho surge o castigo ao meu ouvido
pecador, todavia, benditas sejam elas, audição e visão, culpadas e privilegiadas, os dois únicos
sentidos que têm acesso a esse desejo, afortunados por sentirem o deleite da contemplação.
A exclusividade que esse prazer dá aos olhos e ouvidos está criando uma desfunção nos cinco sentidos, tal desequilíbrio está afetando meu sistema sensorial, olfato, paladar e tato estão insatisfeitos, estão se rebelando contra o corpo, o dom de enxergar e ouvir estão saciados enquanto os demais sentidos padecem diante dessa vontade.
A exclusividade que esse prazer dá aos olhos e ouvidos está criando uma desfunção nos cinco sentidos, tal desequilíbrio está afetando meu sistema sensorial, olfato, paladar e tato estão insatisfeitos, estão se rebelando contra o corpo, o dom de enxergar e ouvir estão saciados enquanto os demais sentidos padecem diante dessa vontade.